terça-feira, 25 de dezembro de 2007

III-MEMÓRIAS

Quando fiz os treze anos de idade e comecei a trabalhar na ceifa aquele já não era o meu primeiro patrão.
Assim aos treze anos de idade comecei a ceifar junto às mulheres crescidas e tinha deixado de ser criança antes de ter tido tempo de saber o que isso era. Junto a elas, às mulheres crescidas, (também não foram meninas) envergonhada, suando e chorando via o sol baixar lentamente, sinal de que o meu pequeno e fraco corpo teria direito à sombra e ao descanso que a noite me iria trazer. Antes ainda, o tacho com as papas de milho rodaria em cima da banca de madeira devolvendo ao meu partido e menino corpo alguma da força deixada junto aos molhos loiros de trigo.
Naquela época era o sol que servia de relógio para se começar e acabar a labuta.
Passados os primeiros e breves anos, após aprender a juntar algumas letras, o trabalho esperava-me. Quando no meio do loiro campo a posição era no meio das maduras mulheres, moças companheiras de labuta, a tarefa ainda era mais difícil pois não havia um minuto de descanso, nas pontas do terreno a tarefa era melhor um pouco menos dura.
E o nosso patrão sempre por perto olhando, montado no seu burrito:
-têm sede moças, querem água….querem água. Bebam, bebam, uma de cada vez!
O melhor de tudo é que passados quase setenta anos ainda falo disto com saudades e com alegria..





(Memorias da minha mãe 1944/45)



“Vai-te sol, vai-te sol
Lá pra trás do barracão
És alegria prá gente
E tristeza pró patrão

Gaibéus
Alves Redol

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

II-MEMÓRIAS

E assim ia decorrendo a minha vida… Já rapariguita de treze anos ia ceifar com algumas mulheres mais velhas e com os homens, como o António Pinto o Manuel Mendes e o Chico Louro. O pior foi uma tarde quando estava a ceifar e comecei com uma grande dor de barriga… lá fui para detrás de um valado urinar e vi sangue e não sabia o que fazer nem dizer. Depois lembrei-me de uma conversa que tinha ouvido à minha irmã Maria José com umas raparigas da idade dela e pensei que era o que elas estavam a falar na altura. Mas no meio daquela serra eu não podia fazer nada e para lá me aguentei. Cheguei a casa e nada disse, mas durante a noite e no outro dia era mais e mais. Aqui, não me lembro bem se falei alguma coisa com a minha mana, eu só sei que arranjei um bocado de trapo e lá fui eu ceifar, para a Herdade das Ladeiras, outra vez. Quando íamos no caminho o desgraçado do trapo caiu e as mulheres que iam ao meu lado, a Maria Isabel e outras lá me empurraram para eu ficar atrás e para ali aconcheguei aquilo. Ela depois, assim que pode falar comigo sem os homens se aperceberem, lá me disse que segurasse o trapo com um pregador ou então o cozesse com um bocado de linha linha. Já foi uma boa lição e resolvi mais ou menos o meu problema. O pior era à noite quando voltava para me lavar com uma pinguinha de água no fundo de um cocharro de cortiça que tinha de dar para todas se lavarem e mais outra pinguinha às escondidas sem os pais saberem e lá ia eu debaixo da oliveira lavar o dito trapo e as cuecas para enxugarem durante a noite para no outro dia vestir outra vez. Só devia ter dois pares e era também para os pais não saberem pois era uma grande vergonha…...


(Memórias da minha mãe 1943/1944)