domingo, 25 de novembro de 2007

I-MEMÓRIAS

Quando tinha dez ou onze anos e ainda andava na escola primária ia com o meu mano, o José, e a mana Luciene, ao fim da tarde e aos fins-de-semana, guardar as ovelhas nos arrifes das terras que estavam ou tinham sido semeadas. Nos arrifes, como essas terras tinham sido semeadas havia melhor comida para o gado. Havia palhagueiras, resmonos, alguns cardos novos, sadalias, tomilhos e bastantes ervas tenrinhas que por lá nasciam e cresciam. Tínhamos de ir caladinhos para os donos não saberem pois era tudo tão controlado e guardado que os donos até sabiam as ervas que lá tinham.
Quando o meu mano mais novo nasceu, o José e a Luciene tinham ido com as ovelhas para o Cerro da Zorra. Eu não me lembro onde estava mas parece-me que tinha ido à venda buscar algumas compras.
O nosso pai tinha-lhes dito para irem com as ovelhas e que quando tivessem sede que viesse um de cada vez beber pois não podiam deixar as ovelhas sozinhas. Andávamos guardando nelas, mas era com elas à mão, com uma corda para elas não irem comer as sementes. Naquela zona do Cerro da Zorra haviam bons arrifes na terra do Chico de Jesus e na do Zé Afonso pois eram os donos de mais longe e não iam todos os dias ver as sementes. O meu irmão José, nesse dia em que o Faustino nasceu, fez que tinha sede e lá veio ele a casa beber pois andava desconfiado que ia nascer a criança mas não viu a mãe só viu uma grande panela de água ao fogo. Foi dizendo à Luciene: Já sei que a mãe vai parir o moço.
Depois ao fim de um bocado veio a Luciene e viu uma velha ir deitar a água cheia de sangue para o pocilgo. Diz ela que a velha tinha umas saias grandes negras e rodadas. Quando nos juntámos à noite, tudo muito caladinho veio o nosso pai lá de dentro e disse que já tínhamos mais um irmão: Chama-se Faustino.
Em silêncio continuámos a comer as papas….


(Memórias da Minha Mãe 1940/1941)

6 comentários:

Isamar disse...

Espero ser a primeira a comentar um texto que me traz recordações de um canto onde tudo isto se passava assim como nos contas. Eu saía com os primos e levavam as ovelhitas ou cabrinhas à corda não fossem elas comer o trigo ou a cevada a despontar verdinha e apetitosa. Depois, chegávamos com elas aos arrifes. Aí o pasto era farto. Eu colhia resmonos porque o cheiro das flores tinha de me acompanhar na caminhada. Atravessas os anos com a magia de quem os viveu e transmites-nos um conhecimento do mundo rural que foi meu berço. E até me fizeste lembrar o tempo em que as velhas de saias compridas e rodadas ajudavam a desncaçapar a criançada. Depois era dia de caldos de galinha para que a mãe voltasse em força à sua labuta. O Faustino teve a felicidade de ver os manos , a partir do colo do pai e tu a felicidade de nos transmitir estas memórias que a mãe tão bem conservou.
Beijinhos amigo VB
Bem Hajas

Anônimo disse...

Aconselho-o a que faça umas visitas pela blogosfera. Dê-se a conhecer pois escreve muito bem e o seu post é uma boa lição de português....

um abraço

Anônimo disse...

revivendo

Maria Papoila disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Isamar disse...

Sabemos o fim do Zorbas! Lembro bem! Temos mais em comum. O gosto pelo mar e pelo campo
Beijinhossssss

Maré Viva disse...

Memórias lindas...também me lembra quando o meu irmão mais novo nasceu e tudo era feito em segredo...
Gostei do teu texto.
Beijos.