sábado, 10 de janeiro de 2009

XVI-ELA, O GATO…(I)

No dia em que ia fazer cinquenta e três anos de casado, acordou, olhou a redonda lua e levantou-se ainda bastante cedo com o cheiro e o ruído do mar no coração.
Sorriu ao estremunhado gato, e mesmo por cima do pijama vestiu aquelas calças cinzentas que já tinha vestido ontem e anteontem. Enfiou aquele casaco castanho que no Natal lhe tinham oferecido. Ao lado um respirar suave e uma tosse envelhecida e rouca diziam-lhe que ela ainda dormia e que a constipação ou uma ligeira pneumonia continuava a morar ali.
O gato já mais acordado e felino roçou-lhe nas pernas. Sorriu olhando para dentro de si próprio e vendo a tristeza que a vida tinha deixado lá dentro. Uma torneira pingava ligeiramente, bolor num canto da casa-de-banho, velhas molduras com antigas gerações, a fotografia do filho encostado ao barco… com o gato! Ao fundo a redonda lua. Parecido com este o raio do gato! (os gatos pareciam-lhe todos iguais!) Lindo o barco! Pintado de riscas vermelhas com o nome benzido pelo padre e tudo: ATÉ BREVE (SE DEUS QUISER)
Na sala, na lareira, uma panela com um resto de sopa, sem fogo, sem chama pôs-lhe mais bolor na alma. Mais fotos, ele quando era novo, (agora acha que nunca foi novo) o filho bonito, parecido com a mãe, novo, ainda sem bolor na alma..O gato a querer aquecer a lareira.. convidando-o, chamando-o, torturando-o, envelhecendo-o.
Anos atrás acordara também com a redonda lua por cima dele e envelhecera de repente. Nesse dia, logo cedo, em que vira o filho vestir aquelas calças cinzentas e aquele casaco que a mãe lhe oferecera pelo Natal. (Nunca mais houve Natal) e que lhe respondera:
-Vou ver a Lua!
e chamando o gato, entrara no barco e remara, remara, remara…..em direcção à lua!
No dia em que ia fazer cinquenta e três anos de casada levantou-se tarde.. O frio, o reumático, o ter o tempo todo para não fazer nada..!
Na cozinha em cima da mesa flores e um bilhete: Até Breve….!
O gato também não estava lá!


(Continua no próximo texto)

2 comentários:

Elvira Carvalho disse...

Penso que já li este texto. Talvez faça parte do livro, posso estar enganada mas tenhoi a sensação de que já o li.
Um abraço e bom fim de semana

Mare Liberum disse...

Voltaste, amigo!É com muito gosto que aqui te reencontro e te deixo o abraço carregadinho de saudade que há muito me apetecia dar-te. Tenho-me lembrado tanto de ti! A minha escrita é-te inconfundível.

Beijinhos para três.

Bem-hajas!


p.s. Foi com tristeza que vi a restrição aos comentários.